sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

SOBRE CAFÉ E LÁGRIMAS



O corpo nú num labirinto de lençóis suados
e o dinheiro no criado-mudo.
A luz, sem nenhuma educação,
invadira o quarto.
Já era outro dia.

Um banho bem quente
e uma roupa bem nova
e uma maquiagem bem feita,
só pra enfeitar um coração vazio.

Disfarçando a solidão
nos orgasmos de tantos jovens, velhos e crianças;
nos gemidos forçados que saíam como pedras enormes dos rins.
Não... não era prazer...
Não... caralhos não doem...

E aquela orgia vazia
E aquela cama cheia
E aquele antigo sonho de se casar de branco
com o cara incrível que nunca apareceu;
e se foi e se foi e mais esse...

Um gosto de café matinal diluído em lágrimas.


dez/2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

OXI - ME - REDUÇÃO

O oxigênio invade meu corpo.
Me envelhece desde que nasci.
Corrói células vitais e, quando cansa,
sai.

E logo eu, que tinha tanta força;
Força quase de ferro...
Ando agora tão apoiado
nos meus ossos distraídos e quebradiços.

O oxigênio engole o ferro;
O oxigênio não tem compaixão.
Meu corpo pode até ser de ferro;
Minha essência não.

domingo, 15 de novembro de 2009

ORGASMO IMAGINÁRIO


Então ela se aproxima de mim e me oferece o bolo feito com aquelas mãos delicadas de unhas cor de vinho.
Mãos que usa para se masturbar pensando em mim.
Ela pensa que eu não sei...

Passou a tarde preparando o bolo,
um carinho sexual.
"É como num feitiço", fantasiou,
e quem comesse daquele bolo a comeria também.
Então eu como. Como como a comerei daqui a pouco.
Como com mordidas fortes, trancando palavrões.

Essa anca se mexe discretamente, como que por acidente, achando que me engana.
Achando que acreditarei que é inocente.
Rá!
Pura inocência!
Eu sei o que você pensa! Eu sei!

Você pensa em masoquismo,
em correntes,
em tapas,
em puxões de cabelo
enquanto está de quatro
emitindo súplicas indistinguíveis pela boca amordaçada!

Mas tudo bem,
eu vou fingir que não entendo.
Vou continuar fingindo. Eu vou continuar...
Como se aquela sua cara de susto quando te apertei contra a parede daquela vez fosse verdadeira.

É que esse seu jogo tem regras prontas, não é?
Por isso nós fingimos, não é?
O gozo fica subentendido.


nov/ 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

VOCÊ NÃO EXISTIA?


Me desculpe por ter te esquecido.
O pior é pensar que você, só você!, estaria comigo agora...
E a gente se enxergaria daquele jeito inocentemente louco,
perfeitamente louco,
como se fôssemos meras invenções
que se coexistem numa realidade paralela;
Realidade surreal.
Então sua expressão desconcertada
seria a minha única e perfeita companhia.

Mas mamãe dizia que você não existia.
Sem dois copos de refrigerante;
Sem dois presentes de natal.
Mamãe dizia que você não existia.

Eu obrigado a assumir a culpa
quando ela era toda sua;
Porque mamãe dizia que você não existia.

Hoje escrevo idiotices
porque acabei acreditando.
E acho que você também...
Me desculpe,
mas mamãe dizia que você não existia...
mamãe dizia...



(ao melhor amigo imaginário que alguém poderia ter)


nov/ 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ORALE


Cobertura de morango
lambuza minha libido.
E você chega mais perto, ainda-mais-perto,
pra eu ficar por dentro.

Entre nuvens eu te vejo
sorrindo no chuveiro;
Me deixa te morder e me deixa te secar
e me deixa te molhar de novo.

Nossa pele exposta no espelho
atrai cometas pro quarto;
eles dão choques nos meus lábios
à espera de um orgasmo.

Recheio de babaloo,
morangos que derretem
no céu da sua boca;
por baixo da sua roupa;
Você se esquece e se aquece
e me aquece e me aquece e me aquece e me aquece.


out/ 2009

sábado, 24 de outubro de 2009

VERMELHO


Eu sou VERMELHO. O recheio que escorre do chiclete na sua boca molhando meus lábios sensíveis; os MORANGOS e as PIMENTAS que infestam a minha língua e o meu céu; a RAIVA INTENSA; todos os IMPULSOS MAIS INTENSOS.
O SEXO E O AMOR.

AH!... o AMOR... ele é VERMELHO.
E SELVAGEM.
Como o SEXO.
Como o ÓDIO.
Como a AGONIA reprimida que procura ser exteriorizada por um GRITO.

VERMELHOS VIOLENTOS.
VIOLÊNCIAPRESANAGARGANTADOSMORANGOSDELICADOSE
SELVAGENS
QUESANGRAMNOSMEUSDENTESCORTANTESE
SELVAGENS

TENTAÇÃO
INFERNO
PRAZER
FOGO


out/2009

DENTRO DA CARTOLA

Não encontro mais aplausos. Nem cartola, nem baralho, nem coelho. Até mesmo os enormes serrotes que dividiam meu franzino corpo em três partes sumiram. Talvez isso seja bom. Talvez o que eu sinto é um alívio disfarçado de desassossego. Talvez o contrário. Talvez.
Começou com o coelho. Aquele coelho insuportável que arrancava rios de sangue das minhas costas com suas enormes garras. Medo e ódio. Com o tempo, me decidi pela vingança. Desde que nascera, eu era o escravo sexual do coelho. E, aos 27 anos, minha vida mudaria.
Eu prendi o coelho na cartola. Depois de 15 semanas preso, o coelho não era mais um predador feroz. O coelho fofinho era agora meu escravo. Meus dentes pontudos lixaram suas garras. Coelhinho branco. Pelúcia animada.
A cartola e o escravo. O mágico, a cartola e o escravo. E um baralho, porque na época um mágico que tinha apenas uma cartola e um coelho era um personagem retrógrado. Não importava se o coelho voava, gritava, morria e ressuscitava. Um coelho e uma cartola denotavam sinal de algo anacrônico.
Hoje todos fazem alguns truques de baralho. Imitações mal feitas das grandiosas mágicas que mostrei ao mundo. Meu espetáculo terminava com uma cena cômica: o Rei de Copas se declarava à Dama de Paus. O povo ria com o sentimental e o travesti. Os aplausos saturavam o circo de satisfação.
No começo, eu também gostava. Mas depois eu passei a me enxergar no Rei de Copas. Eu sou um rei. Ririam de mim se soubessem o que já passei. O Rei triste. O povo feliz. O mágico triste. O Rei era um bobo-da-corte.
Por um tempo, continuei com o espetáculo. Aqueles aplausos dos tolos, não sei porquê, me alimentavam. Uma comida sem tempero, mas que não me deixava definhar. Belo dia, o Rei cansou. Então, ele dominou a Dama de Paus. O povo aplaudiu. Fiquei feliz pelo Rei, que agora enfrentaria uma via-crúcis como eu. Havia até uma certa felicidade nisso... não sei o que dizer. Foi aí que percebi o quanto estava cansado com o mundo que exaltava a subordinação.
Aplaudiam quando o coelho acanhado temia meus dentes furiosos e obedecia às minhas mais absurdas ordens. Coitado do coelho... eu fui um monstro.
Tranquei-me na cartola. Há seis anos aqui.Não é mais uma cartola... É um mundo que me isola do mundo. Um alívio onde rumino o passado.
Talvez os serrotes me aliviariam mais ainda, destruindo minha existência e, consequentemente, o passado e o presente. Ou quem sabe eles estão fazendo um bom trabalho lá fora, dilacerando a carne dos tolos enquanto outros tolos, futuros serrados, aplaudem... Assim, se um dia eu tiver que sair daqui, encontrarei apenas uma cartola.


texto de 2008