sábado, 24 de outubro de 2009

VERMELHO


Eu sou VERMELHO. O recheio que escorre do chiclete na sua boca molhando meus lábios sensíveis; os MORANGOS e as PIMENTAS que infestam a minha língua e o meu céu; a RAIVA INTENSA; todos os IMPULSOS MAIS INTENSOS.
O SEXO E O AMOR.

AH!... o AMOR... ele é VERMELHO.
E SELVAGEM.
Como o SEXO.
Como o ÓDIO.
Como a AGONIA reprimida que procura ser exteriorizada por um GRITO.

VERMELHOS VIOLENTOS.
VIOLÊNCIAPRESANAGARGANTADOSMORANGOSDELICADOSE
SELVAGENS
QUESANGRAMNOSMEUSDENTESCORTANTESE
SELVAGENS

TENTAÇÃO
INFERNO
PRAZER
FOGO


out/2009

DENTRO DA CARTOLA

Não encontro mais aplausos. Nem cartola, nem baralho, nem coelho. Até mesmo os enormes serrotes que dividiam meu franzino corpo em três partes sumiram. Talvez isso seja bom. Talvez o que eu sinto é um alívio disfarçado de desassossego. Talvez o contrário. Talvez.
Começou com o coelho. Aquele coelho insuportável que arrancava rios de sangue das minhas costas com suas enormes garras. Medo e ódio. Com o tempo, me decidi pela vingança. Desde que nascera, eu era o escravo sexual do coelho. E, aos 27 anos, minha vida mudaria.
Eu prendi o coelho na cartola. Depois de 15 semanas preso, o coelho não era mais um predador feroz. O coelho fofinho era agora meu escravo. Meus dentes pontudos lixaram suas garras. Coelhinho branco. Pelúcia animada.
A cartola e o escravo. O mágico, a cartola e o escravo. E um baralho, porque na época um mágico que tinha apenas uma cartola e um coelho era um personagem retrógrado. Não importava se o coelho voava, gritava, morria e ressuscitava. Um coelho e uma cartola denotavam sinal de algo anacrônico.
Hoje todos fazem alguns truques de baralho. Imitações mal feitas das grandiosas mágicas que mostrei ao mundo. Meu espetáculo terminava com uma cena cômica: o Rei de Copas se declarava à Dama de Paus. O povo ria com o sentimental e o travesti. Os aplausos saturavam o circo de satisfação.
No começo, eu também gostava. Mas depois eu passei a me enxergar no Rei de Copas. Eu sou um rei. Ririam de mim se soubessem o que já passei. O Rei triste. O povo feliz. O mágico triste. O Rei era um bobo-da-corte.
Por um tempo, continuei com o espetáculo. Aqueles aplausos dos tolos, não sei porquê, me alimentavam. Uma comida sem tempero, mas que não me deixava definhar. Belo dia, o Rei cansou. Então, ele dominou a Dama de Paus. O povo aplaudiu. Fiquei feliz pelo Rei, que agora enfrentaria uma via-crúcis como eu. Havia até uma certa felicidade nisso... não sei o que dizer. Foi aí que percebi o quanto estava cansado com o mundo que exaltava a subordinação.
Aplaudiam quando o coelho acanhado temia meus dentes furiosos e obedecia às minhas mais absurdas ordens. Coitado do coelho... eu fui um monstro.
Tranquei-me na cartola. Há seis anos aqui.Não é mais uma cartola... É um mundo que me isola do mundo. Um alívio onde rumino o passado.
Talvez os serrotes me aliviariam mais ainda, destruindo minha existência e, consequentemente, o passado e o presente. Ou quem sabe eles estão fazendo um bom trabalho lá fora, dilacerando a carne dos tolos enquanto outros tolos, futuros serrados, aplaudem... Assim, se um dia eu tiver que sair daqui, encontrarei apenas uma cartola.


texto de 2008